Sangrar singelo de um peito dilacerado


— Tive outro pesadelo
— Com o quê?
— Deixa pra lá...

O que interessa é que estou sofrendo sem saber por quê. Sofro calado e o que sai de mim vai escrito, recheado com um muito de dor. Sinto culpa por estar seguindo meus próprios sonhos. Parece que tenho traído alguém, mas quem? O demônio me visita dia sim, dia sim-também trazendo seus terrores. Ele me visita bem mais que o Deus dos cristãos. Estranho não?
Mas estranho sou eu elaborando planos de vingança, achando que todos me odeiam e que sempre existirá alguém a puxar-me o tapete. Será que não?
Sinto falta do tempo que a auto-ajuda barata baixada ilegalmente na internet me bastava. Quando eu rezava todas as noites para que fosse demitido de meu emprego medíocre sem a coragem de fazê-lo. Perdi anos de minha vida ensaiando um personagem que não existia. Um tipo forte, decidido, mulherengo e inconsequente  Nada disso era real. E foi o que restou para as fotos mostrarem, um estereótipo, uma piada suja que ninguém achou graça. Então assumi meus demônios como disseram ser prudente e eles não me deixam dormir mais. Sussurram atrocidades, conluios dos que me detestam, plantam maldades em meus ouvidos e me causam tremores.
Minha paranoia vai bem além do que dizia o baiano. Essa coisa vive em mim, retirando o pouco que resta de verdadeiro. Esconde-se pela casa, pelas linhas que escrevo, essa porcaria vem me derrotando antes mesmo da guerra. Acordo suado pensando que deveria ter meu emprego antigo, que me faltará grana, que minha mulher vai me deixar, que sou estéril, que terei filhos deformados, que meus pais sentem nojo e vergonha de mim, que EU sinto nojo e vergonha de mim. A culpa não é cultivável como me disseram. Ela é uma invasora, uma verminose que detém o poder nas próprias entranhas. Comendo-me aos poucos, corroendo e sei que quando resolver sair de mim, aliás não sei, mas acho (pelo que a culpa me diz) que se um dia a escada mostrar para mim seus degraus mais altos terei uma doença que me impedirá de ter qualquer gozo.
A derrota é a palavra da vez. Ontem foi dúvida e tédio e o amanhã só me traz ilusão.  

— Dorme vai, já passa das três.
— Foda-se.
“Queria dormir pra sempre”


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