Justo



Foi numa manhã chuvosa.
Ele me visitou vestindo vermelho numa roupa de estrelas.
Disse-me: “Filho não espere o por do sol pra ser feliz”.
Aquilo me tocou de alguma maneira e destinou a ser quem eu sou. Não que eu espere compreensão de todos, mas não é fácil sempre ultrapassar pela direita. Não é descomplicado ser contra-mão.
Sabe, você estava errado. O diabo me disse.
Ele me escolheu e contou-me que os que nascem para os palcos não suportam a vida na platéia.
Não espero desculpas de ninguém, mas peço que ignorem sua desaprovação por mim. Não somos iguais. A cruz que faz você dobrar os joelhos me causa náuseas. Não consigo rezar para o sofrimento. Prefiro rezar para o sol que aquece ou para a lua que brilha, prefiro o coaxar sincero de um sapo. Sendo homem prefiro rezar para um Deus gay. Escolho o dúbio.
Não gaste suas preces comigo, estou bem afinal. Parei de negar quem sou ou o que sinto, parei de sentir nojo de mim. Cansei de galgar os degraus da escada, liguei o ar condicionado e abri um pote de sorvete. Gozei de um amor adolescente e sufoquei meus filhos num pedaço de látex. Hoje respiro melhor sem tentar encontrar meus erros. A diferença não é erro e minha prole mutante talvez prove que certos tumores refletem o princípio da evolução.
O diabo me tocou e disse todas as verdades escondidas dentro de nossa estante. Mostrou-me o esquerdo, e que não se vence a própria natureza. Contou-me coisas engraçadas como o bem se confundindo com o mal e criando livre arbítrio. O cara de chapéu desabado me disse que mau é lutar contra o óbvio. Alguns nascem cigarras, outros formigas; e outros acabam menstruados em uma louça branca recheados de Citotec.
Foi numa manhã chuvosa lembro bem. Ele bateu em vez de arrombar meu quarto, me deu escolhas em vez de obrigar a aceitá-lo e me deu um beijo em vez de cuspe.
O diabo me mostrou a porta e disse:
“Atravesse se quiser ser feliz”.


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