Movido a bala




Faz frio lá fora. Aqui estamos seguros.

O nevoeiro da noite passada de novo levou algo bem pior que fumaça condensada pra dentro das nossas casas. Fazem quatro dias que estamos isolados. Nada. Nem internet, celular, sinal de fumaça ou telegrafo. Só o vento frio que sopra a névoa que nos apavora.

Tentei contar os corpos com dois amigos, mas paramos quando passaram de duzentos. Não faz sentido fazermos isso com nossas crianças passando fome. O que sobrou da comida da cidade está enfiado na antiga secretaria do clube onde estamos escondidos. O ar está cheirando a morte desde ontem. Minha garota está... vamos dizer... fora de si. Ela fica balançando pra frente e pra trás como uma autista. Eu estou tentando organizar o pessoal, mas a turma da terceira idade da cidade que acha que sempre sabe o que é melhor pra todo mundo tá tentando fazer uma estupidez. Eles deviam saber (como eu) que não se negocia com a morte.

O padre foi morto, o pastor da igreja e o prefeito. A unica autoridade viva é o delegado que está com um braço gangrenando. Ele gritou a noite inteira e não deixou que o único médico que sobreviveu (um veterinário) o operasse. Eu acho que ele vai morrer. Na verdade todos nós.

A sirene da escola do estado começou a gritar de novo. Eles sempre fazem isso quando vão atacar. As pessoas começam a se empurrar e se aglomerar no canto oposto da porta. Todos gritam e posso ver pelos menos duas crianças sendo esmagadas pela turba em desespero. Eu pego minha arma que espero funcionar e caminho para a porta. Os gritos continuam. Eu engatilho a arma para facilitar o disparo e encaro a morte de frente. Sangue e vísceras é tudo o que vejo. A cada disparo tombo um deles. Não são humanos e seus olhos de pupilas gigantes me dizem isso. São monstros.

Atrás de mim ouço gritos do massacre. Quem ficou pra trás morreu, mas eu não podia salvar a todos. Não conseguiria. Percebi agora que a tinta da minha caneta está acabando assim como minhas chances de sair vivo. Se encontrarem isso significa que eles me pegaram também. Melhor assim. Não gostaria de permanecer vivo em um mundo de medo e fome.

Cuidado quando chamar pelos demônios. Às vezes o chefe deles... ele atende e você não vai querer passar por isso.
Não mesmo.  


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