Uma criatura talvez.
Bem longe de ser humana é o que havia se tornado. Um andrógeno arfando
medos e suplícios, chafurdando pecados e pregando o holocausto. Imerso em couro
apertado e tecidos caros não havia um só defeito em seu belo corpo. Pálido e
até onde a vista alcançava, glacial. A pele rigidamente polida era capaz de
cobrir-lhe toda a devassidão se assim desejasse, mas frequentemente preferia
mostrar o pior. Seu crânio todo tatuado com escrituras antigas era o mapa para
o além-mundo, mas para que as letras se revelassem era preciso derrotá-lo em
seus enigmas. O corpo permanecia coberto, albergando suas indiscrições hora por
tecidos, hora por carne costurada de outros seres. O primeiro humano que o viu
caminhar o chamou de “o Juiz” antes de morrer sob seus castigos. Certamente a ávida
criatura servia a alguém, mas a força que o comandava habitava a incompreensão
humana. A superfície da terra com seus homenzinhos é apenas parte de seu Buffet
de seres a selecionar, para participarem de seu palco de execuções. Um tribunal
além do inferno onde a justiça é questionável em todos os patamares.
O que realmente conta para o Juiz é tornar os homens incapazes. É
demonstrar que são fracas vítimas de si mesmo. Dizem que ele próprio já havia
sido um homem, outros dizem que nasceu de divindades extraterrenas que
atingiram uma doentia perfeição, inclassificável. A maioria não sobrevive e
apenas deixa de existir a seus caprichos num suspiro sibilante.
O Juiz pode rastejar como serpente, mas prefere andar como um homem. Por
onde ele passa as flores murcham e as crianças choram. Seus olhos contêm um
mundo de desilusões e sonhos partidos e sua existência é justificada pela dor
que faz transbordar. Tem olhos abertos
para os crimes e se regozija com eles. Depois cobra o preço que todo prazer
insano tem. Um negociante esperto e uma arma mortal. Pode parecer com seus pais
às vezes. Ou com uma mãe embalando o filho para dormir e ao mesmo tempo um
torturador nazista.
Isso porque o Juiz é maior que a lei. E contra ele nada se opõe.
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