Salve o curintia


Pessoas comuns fazem coisas extraordinárias, não é mesmo? Jorge achava que sim quando ouviu o primeiro disparo de rojão que quase o derrubou da cama. Só que para ele uma vitória de futebol passava longe do extraordinário. Pena, mas no país das peladas desprezar futebol é exceção.
Final do campeonato mundial, dezesseis de dezembro do ano do fim do mundo e Jorge com uma ressaca infinita depois de todas as cervejas que conseguiu durante a transmissão do último show do Rolling Stones. Infelizmente ele não era um Stone; nem americano. Era um indígena descendente de italianos e espanhóis nascido no interior de São Paulo; Brasil. A terra do futebol. E Deus, ele detestava futebol. O ódio começou com o pai que adorava o esporte. Como tratava o filho como um gambá a animosidade rapidamente chegou — como a tudo que o velho gostava — aos campos. Jorge preferia se interessar por política, pela condição social do Brasil e por seu talento não descoberto em ser escritor; Jorge era o cara mais subestimado — e superestimado por ele mesmo — desse mundo.
— Malditos rojões — disse como primeira palavra do dia.
— Credo! Você já acorda mal humorado?
— Esse bando de corintiano doente me irrita.
Desperto pelo tiro resolveu assistir um pouco do jogo e quem sabe presenciar a derrota do Corinthians. Podia não gostar de futebol, mas isso não o impedia de ter raiva dos torcedores alve-negros ou de qualquer outro fanático que acorda a mãe com uma bomba.
O time azul da Inglaterra parecia melhor, mas o goleiro do Corintians agarrava tudo. Desinteressou-se logo do triste espetáculo e foi até o banheiro ejetar o que tinha colocado no estômago na noite anterior. Sentiu nojo de si mesmo ao terminar e enquanto limpava seu rego felpudo (o que dificultava o serviço de limpeza) ouviu uma nova salva de rojões e alguém gritando ao longe: “Vai curintia”.
Vai pra puta que te pariu!, pensou.
A revolta de Jorge era justificável ao contrário de sua propensão à violência — praticamente um De Niro em táxi driver. Não se conformava com a falta de atenção à corrupção do país, baixa educação do povo, baixos salários, com a falta de leitores (e de editores e de qualquer coisa que se refira ao mercado editorial), com a falta de policiamento honesto, com o excesso e bandidos, de maconheiros, de salafrários, de, de, de... No Brasil só futebol e bunda é prioridade. Mas na rua não havia bundas. Ele realmente estava desgastado com o país e com ele mesmo.
— Gol de quem? — perguntou.
— O Corinthians marcou um — respondeu Leila.
— Porcaria — resmungou.
— Também acho, chega de ver essa droga.
Desse traço da esposa Jorge não reclamava. Leila também repudiava futebol. Infelizmente o conluio dos dois terminava nisso. Quando o assunto era “Brasil e o povo que não quer chegar a lugar nenhum” tinham direções diferentes. Leila era uma rebelde de facebook. Nunca pegaria em armas e atearia fogo no congresso. Jamais pixaria um muro escrevendo “Morra Lula” ou “Dilma Puta” como ele havia feito. Ela preferia protestar contra toda aquela porcaria reclamando nas redes virtuais que não pagam uma pinga para ninguém. Jorge era um guerrilheiro adormecido. Soda cáustica embalada a vácuo esperando uma gota de sereno. Um pau à beira da ejaculação. E como ele queria explodir.
O jogo continuou com o time brasileiro segurando as pontas e o resultado. O placar estava desenhado e mesmo com todas as orações vazias e sem fé de Jorge o time âncora venceu. Acendeu um cigarro pra engolir a raiva. Aquilo era bom. Acalmava seus nervos. Pensou em abrir uma cerveja, mas desistiu sabendo que seria sentença de briga com Leila. “Nunca antes do almoço”.
Então o inferno começou, minutos depois do fim de jogo.
Rojões, gritos, buzinas, palavrões pelas ruas, vandalismo em alguma vidraça inocente da vizinhança. O caos chegou às ruas como esperava. O cachorro do casal batizado de Spot gritava ensandecido de dor nos tímpanos arranhando uma porta velha de madeira. A destruiria se Jorge não o deixasse entrar. Ele abriu a porta sabendo que seria esbagoado pela esposa, mas preferia ignorar seus rompantes a desprezar Spot. Pobrezinho. O cão entrou e se aninhou embaixo da cama com seus cinqüenta quilos. Spot não tinha medo de outros cães, de gente ou de pedaços de madeira; nem mesmo de jornal enrolado estalando no chão, mas os rojões... Eles o deixavam em pânico.
— Quero ver quem vai limpar o chão se ele fizer xixi — disse Leila.
— Melhor que trocar a porta da cozinha, caralho! — rosnou Jorge descontrolado de novo.
— Que foi? Por que essa selvageria grátis?
Jorge calou para não precisar defender sua tese de “como o futebol fode com o país todo”. Leila era uma graça de mulher, mas sua mente ainda estava há anos luz das conclusões de Jorge. Ele via estádios e crianças carentes pedindo um pão francês de almoço, via fila nos hospitais e falta de qualidade das escolas públicas e ela via-se em camarotes cercadas de artistas globais sorrindo próteses dentárias meladas com fluidos engolidos na noite anterior. Isso sem seu maridão ganhar para os cigarros, enterrado num poço de merda, nem sonhar ela sonhava com coerência.
— Deixa pra lá. Odeio essa gambazada solta na rua — respondeu. — É isso.
— Nisso a gente concorda — disse Leila voltando pro quarto.
— Infelizmente só nisso — desabafou baixinho parado a frente do velho notebook Dell. Sua melhor ferramenta de trabalho.
Naquela manhã não conseguiu escrever. Cada boa idéia era explodida com fogos e gritos enlouquecidos dos torcedores. Infrutífera manhã ou não, deu graças por estar em casa. Preferia ficar na companhia da ressaca a ter que encarar qualquer milímetro de rua com a infestação corintiana. Junto com os torcedores vinha todo o resto da latrina. A bandidagem há muito se tornara um problema crônico da cidade. Desde que a polícia resolvera baixar o sarrafo pelas capitais. Faxina saca? Expulsar a bandidagem para o interior é uma ótima maneira de baixar os índices de violência e criminalidade. A cidade de Jorge — Taubaté — ficava bem no meio das duas piores infestações de sacanas do planeta terra: Rio-SP.
“Inferno no inferno e nevam brasas, por favor, escondam-se todos em suas casas, pois o anjo caído agora voa com novas asas”.

2

— Acabou o gás — disse Leila contrariando o bom senso. — Precisamos de outro botijão.
Gás? Almoço? Qualquer coisa que exigisse “rua” depois da vitória dos caras que se intitulam “um bando de loucos” soava bizarro e imprudente. Pedir que o desequilibrado marido — e escritor que não ganhava para comer —, saísse pelas ruas era uma insanidade. Violência cheira violência e nada sairia de bom de Jorge no estado de nervos que vivia. Sua pressão girava em torno de quinze por dez, seu sangue ebulia a cada pequena contrariedade, pessoas o julgavam deixando-o maluco e Deus o condenava ao fracasso. É duro ser taxado de vagabundo trabalhando dezesseis horas por dia e qualquer artista — de pixador de muros a Michelangelo — pode afirmar isso.
— Amor, deixa disso vai, vamos comer qualquer coisa, pão, sei lá... — tentou.
— Pô Jorge, não dá pra pegar um botijão de gás? Tá pago — respondeu a esposa nada mansa. Era de se compreender com seu macarrão esfriando.
— Não é pelo dinheiro (que eu não tenho, ele deveria ter dito).
— Então é o quê?
— Esses selvagens — respondeu. Jorge não sabia se estava mais irritado pela barulheira, pela falta de inspiração de uma manhã cinza, pelos livros que eram seguidamente rejeitados há meses ou por seu excesso de sensibilidade canceriana. Estava uma fera.
— Você desvia dos malucos, minha mãe tem um botijão extra na casa dela.
Enquanto conversavam um coro bestial urrava pelas: “timão ê-ô, timão ê-ô”. O ódio de Jorge crescia proporcionalmente a quantidade de torcedores espalhando desordem pelo centro.
Sua ira era fundamentada por fanáticos por bola... Aquela era a casta ignorante de fanáticos que não dava nenhum apoio cultural ao país. E isso implicava diretamente sobre ele e sua vida de merda. Cada ê-ô-ê-ô era um livro que sobrava na estante e um não na caixa de correio. Jorge estava fervendo. Olhos querendo saltar das órbitas e a cabeça tentando explodir libertando a fúria que ele mantinha trancada em seu canto mais escuro. O problema é que a besta estava solta. Os gritos e rojões arrombaram seu cárcere e só caberia à Jorge ter a paciência de sentar-se e retomar o controle. Mas não poderia; não senhor. Precisava buscar o gás para que a esposa terminasse o almoço.
— Mas baby, as ruas estão uma desgraça. Escuta só? Tem um animal em cada esquina. Todos os bandidos da cidade pegaram uma camisa do Corintians no indulto de fim de ano e os que não acharam pegaram uma do Palmeiras pra brigar.
— Precisamos comer e eu não tenho culpa da sua implicância com futebol.
— Não é implicância porra! É bom senso.
— Tá vendo só? Você só sabe reclamar e falar palavrão.
Aquilo doeu. Tinha muita coisa implícita naquela frase parcial “você só sabe...”. Dizia que ele não sabia se controlar, ganhar dinheiro com um emprego comum, ser feliz, fazer um filho nela, manter o cachorro para fora, desviar de um bando de loucos, aceitar o governo corrupto, a vida, a alma, Deus e a puta que pariu do firmamento todo desde a terra do nunca até sala brilhante do mágico de Oz.
— Olha; eu vou, mas não respondo por mim se algum retardado desses me provocar.
— Quer que eu vá com você?
— Pra quê? Pra foder com meu sacro-saco de vez?
— Grosso.
— Devo ser mesmo, e você não é muito inteligente de ficar com um cara cheio de merda na cabeça feito eu.
— Tá vendo? Você só sabe agredir. Eu não vou entrar nesse tipo de discussão com você. Preciso de gás.
— Puta que pariu — rosnou Jorge apanhando uma bermuda respingada de tinta e fedorenta de cima do cesto. Vestiu e saiu pisando na alma, raivoso como um Pit Bull com saco inflamado.
— Você vai com essa bermuda?
Não, vou por calça social pra pegar um botijão de merda na casa da senhora que te pôs no mundo.
— Vou sim — disse saindo depressa com a mesma paciência que vinha demonstrando. — É o que falta! — praguejou quando saiu.
Chuva.

3

Logo que Jorge secou os óculos, pegou a avenida principal e se arrependeu um pouco mais. Estava ligeiramente mais calmo em ter se distanciado da esposa que lhe alfinetava com seu temperismo. Jorge não acreditava nessa coisa de bom senso desde que se convencera que o ser humano pouco tinha de bom. Para distraí-lo durante o trajeto um bando menor do “bando de loucos” pulava em cima de uma Pick Up. Jorge torcia para que a porcaria perdesse um eixo pelo caminho ou que a chuva piorasse com pedras de dois quilos de granito. Outro grupo de adolescente passou correndo e batendo na lataria de seu carro. Seu olhar de elefante na andropausa acabou espantando os moleques. Ouviu ainda um “credo tio” de um deles mais ciente de seu mau humor.
Demorou quase meia-hora de hinos de futebol até atravessar a avenida. Agora era contornar o shopping meia-boca da cidade com suas dez lojas e esticar até a casa da sogra. Uma santa a essa altura, e sua casa um Spa relaxante. Qualquer coisa se o tirasse das ruas empestadas o acalmaria.
Ante da chegada passou por dois acidentes: com um ônibus do transporte municipal e outro de moto. O pobre do motorista do ônibus olhava perdido para um grupo de torcedores que ameaçava meter fogo em seu ônibus. Poderia ter atropelado qualquer pessoa pela rua: Che Guevara, Fidel, Elvis Presley, poderia ter atropelado o próprio Jesus Cristo, mas não um ciclista corintiano com canela de maconheiro que costurava pelo trânsito. O candidato a escritor e entregador de gás de plantão permaneceu quieto e sem tomar posse do trinta e oito cano curto que levava sempre embaixo do banco. Alegou defesa pessoal quando comprou a pistola de um colega da polícia.
O outro acidente também com uma moto deixava poucas dúvidas do suposto culpado. Uma garrafa de Vodca espatifada no chão e a camisa branca e preta ensangüentadas de um corpo se movimentando como uma lesma eufórica davam conta do boletim de ocorrência. O resgate estava por lá começando a estender a maca para o coitado gemendo. Inocente? Um cara de moto com uma garrafa de Vodca aberta? Seria inocente até matar seu filho talvez...
Enfim chegou a casa da sogra.
— Oi Jorge; a Leila ligou, pode entrar e pegar o botijão. Tá lá nos fundos.
— Tá — respondeu seco como uma lixa de parede (grão cem).
— E aí? Torceu muito contra o Corinthians? — perguntou sua sogra. Flamenguista. Nem lá, nem cá e isso era bom; alguém imparcial e tão azedo com o resultado quanto ele (talvez pouco menos).
— Nem torci dona Lucia. Ando com o saco tão cheio desse povo que nem assisti o jogo.
— Fez bem — disse ela. — Merda de jogo.
— Merda de time — completou enquanto colocava o botijão nas costas tal qual o burro de carga que se sentia.
— Volta devagar viu? Falei pra Leila: “Loucura mandar o Jorge sair depois do jogo”.
— A senhora conhece a mocinha, hã? — disse Jorge descarregando o volume no porta-malas.
— Ela é custosa mesmo — concordou. Jorge pensou na besteira do ex-sogro ao deixar sogra. Deus dá asa para cobras, mesmo. O velho fez besteira em deixar mulher tão inteligente. Como nunca se sabe o que rola quando a luz apaga, não comentava esse tipo de opinião.
— Ela é difícil sim... — respondeu entrando no carro. — Té mais dona Lucia. Deixa eu levar logo essa porcaria.

4

Mais torcedores, mais algazarra, mais mau humor e trânsito. Jorge pensava em como nada poderia piorar seu dia quando o telefone tocou.
— Pronto, a filha da puta ainda fica me apressando. — Mas não era a filha da puta... Era sua mãe. A segunda fêmea no mundo que conseguia tirar sua razão em menos de cinco minutos.
— Alô? Jorge?
— É sim — respondeu pouco animado. Claro que era ele. A mãe discara para o seu celular afinal.
— Tudo bem? Tá podendo falar?
— Tô sim, mas estou no trânsito.
 Estou ligando pra combinarmos sobre o fim do ano.
— Mas já? — perguntou irritadiço.
— Já filho; faltam duas semanas.
— Mas e aí? O que tem na pauta? — perguntou se esforçando pra parecer simpático. 
— Falei com o seu pai e podemos ir pra praia, o que você acha?
— Odeio praia né, mãe. Não podemos fazer outra coisa? Ficar em casa?
— É que...
— “Bim plaft boom shhuuuuiiiuuuuu”.
— Pode repetir mãe? Eles filhos da puta estão dinamitando o mundo com rojões.
— É que a sua irmã prefere a praia.
— Ah, entendi. E eu? E a Leila? Você e o papai pensaram no que a gente prefere?
— É que sua irmã mora longe, você sabe como e difícil para ela vir para cá e...
— Pergunta se ela quer trocar de vida comigo.
— Filho, não fala assim, vai ser bom passarmos um tempo juntos.
— Quer saber mãe? Faz o que vocês acharem melhor e eu vou no vácuo. Mas tô sem dinheiro.
— Arranjou emprego já?
Eu tenho um emprego porra! Sou escritor de asneiras!, pensou.
 — Ainda não; vou deixar pra janeiro.
Um caminhão estava logo a frente para piorar tudo, vagarosamente a uma velocidade indizível de lenta. Espalhando fuligem pelo universo conhecido. A buzina de Jorge comia solta atrapalhando a conversa com a mãe.
 — Me liga depois, você tá muito nervoso filho — disse.
— Ligo sim, é por causa do jogo. Té mais mãe — disse aproveitando a oportunidade de desligar antes do dramalhão: “você nunca nos visita”. Nessas conversas sempre achava que a mãe o tratava como adotado, não que ligasse muito pra isso, explicaria muita coisa...
— Tchau.
— Caminhoneiro desgraçado! — berrou aproveitando a raiva. Gritou outras coisas mais desonrosas também.
E tome buzinada. Alguns corintianos pensaram que era festa do título e buzinaram junto. O caminhoneiro meteu o dedo médio pra fora.
— Ah é, seu filho da puta, encosta essa porra se for homem! — gritou Jorge.
O braço peludo do homem subia e descia com aquele dedo esticado. Ele fez questão de andar mais devagar ainda. Jorge baixou as mãos e apanhou o que fazia de um homem um macho: seis balas e um cano pesado. Era bom ter companhia. Colocou perigosamente perto do saco e colou na traseira do caminhão.
— Me provoca pra ver filho da puta — disse sem poder ser ouvido. Ainda assim o homem recolheu o braço.Santo forte o dele.
Jorge continuava maluco e atrás, engolindo a fumaça preta que saía do escapamento comido de ferrugem. Jogava para esquerda, para a direita e nada, nenhum espaço para que ele pudesse avançar e sair da nuvem de carbono. À frente do caminhão uma fila de carros com bandeiras estendidas nos capôs gritava enlouquecida todo o vasto vocabulário dos estádios.
— Que pesadelo — desabafou.
Demorou quase dez minutos para que o caminhoneiro desse algum espaço a ele. Enfiou o pé no acelerador de seu fiat 147 azul calcinha e ultrapassou. Aproveitou para meter o braço pra fora com o mesmo sinal carinhoso.
— Aê viadão! Chupa que é de uva!
O homem socou a mão na buzina em protesto e logo deixou o 147 impecável pra lá. Jorge sumiu andando mais depressa que o necessário, ultrapassando pela esquerda e toda aquela bosta de direção perigosa. Só foi parar em outra colisão adiante. Dessa vez sua.
Um idiota completamente alcoolizado atravessou um fusca perpendicularmente à sua frente. E um idiota com o carro cheio. Para a sorte de todos, ninguém se machucou com o acidente e para azar de Jorge os passageiros corintianos tencionavam machucá-lo um bocado. Ele longe de se acovardar chamou pelo amigo que antes da colisão dormia em seu saco. O velho cano curto. Colocou-o sigilosamente na parte de trás da calça e se afastou para ver o estrago. Lataria toda fodida do “fusca assassino” e do 147 e seu porta malas estuprado mostrando o Maldito botijão.
— Você tava errado cara, como atravessou na minha frente desse jeito? — disse Jorge.
— Olha aqui ô amiguinho; você vai pagar a porra do estrago do meu carro ou meus mano aqui vamu estragar com a sua cara.
— Calma aí pessoal, cês tão errados — argumentou Jorge. Toda a testemunha que via era corintiana. Estava ferrado.
— Ninguém tá questionando isso amiguinho, mas você vai pagar ou nóis quebra a sua cara — disse o mais magrelo que dirigia. Parecia ter um sabugo enfiado na garganta. Enrolando a língua e tropeçando nas expressões. Um dos maiores do bando socou a lanterna do fiat com uma garrafa de cerveja quebrando-a de vez, depois jogou o que sobrou pelo banco do passageiro. Além desses bons rapazes havia mais dois com cara de pedreiro.
Jorge apertou os olhos e refez mentalmente aquela manhã iluminada. O despertar assustado, a esposa rixosa, o trânsito, o caminhoneiro Zé Roela que se juntava ao tumulto mais atrás, o acidente e sua vida de Bosta. Decidiu implementar alguma ordem ao caos.
Deu alguns passos para trás e sacou seu amigo tranco-forte-cano-curto. Os homens pararam a conversa assustados — sensação que logo acabaria com o estado de embriaguez dos cinco. Estavam bem ao lado do porta-malas aberto, carregado de um belo botijão cheinho de propano. Pô sogra, te devo um botijão, pensou. Depois pensou que não comeria macarrão tão cedo. Esperou o homem do caminhão que descia por lá com ma chave de rodas na mão alcançar seus outros algozes e disparou num sorriso doente.
— Vai curintia!   



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