O Último Episódio dos Bestalhões


Uma coisa que sempre me perturbou assombrando o final de minha infância foi o motivo da saída de Pepé dos Bestalhões. Até mais que a morte do “Seu Madruga” da turma do Chaves. Entre boatos de roubo no menino-esperança, orgias com o a participação de estrelas como a Puctha e Léra Kischer e divergências culturais, acabei tropeçando na verdade. Eu não, um amigo jornalista que conheceu Pepé na igreja evangélica depois de sua conversão (e tenho que confessar que também detesto esse lance de igrejas). O “bestalhão” mais sério dos quatro contou para esse amigo o episódio proibido de 1996 que nunca foi ao ar. Ele é  jornalista como disse e sabendo que escrevo sobre coisas que vão além da carne me enviou o texto que transcrevo a seguir:

“Logo que eu entrei no set de gravação senti aquele cheiro danado de velas. A iluminação estava um pouco escura e o pessoal do set muito sério”, contou Pepé. “Aquilo não era coisa comum quando se tratava do Renato. O cara era um palhaço”.
Nesse momento os olhos de Pepé se perderam distantes como aconteceria várias vezes durante a conversa em minha casa que acabou se tornando uma entrevista. Minha mulher trouxe alguns drinks; segundo o mais charmoso dos Bestalhões, o que contaria a seguir precisava de algum lubrificante social. Ele disse preferir cocaína, logo depois confessando que não usava farinha desde aquele último e estranho episódio de Os Bestalhões.  Ele me pareceu realmente perturbado enquanto falávamos. Olhava para as janelas de toda a casa e pediu que eu cobrisse com um lençol ou coisa assim o espelho enorme que tínhamos – eu e minha esposa – na sala de estar. Fiz tudo o que pediu e ainda assim ele não se tranqüilizou. Eu nunca tinha visto alguém tão perturbado na vida. 
“Como assim Pepé? O que poderia ter de tão estranho numa sala de gravações da rede-lobo?”, perguntei.
“Eu já tinha visto muita coisa estranha com o Renato, mas aquilo superou tudo. Como você sabe, a gente era pobre pra caramba no começo. Éramos uns descamisados. Eu o Zapa (Zaparias) gostávamos de pó, o Buntum de cachaça e o Renato... Bom; ele gostava mesmo era de mulher. De todo tipo de mulher. Até de mulher que tinha o que eu e você temos guardados em nossa cueca.”
 “Disso eu não sabia”, disse eu.
“Mas é verdade, o Pipi era um devasso”.
“Como estava te contando quando a grana começou a pingar na mão daqueles quatro doidos que nós éramos as coisas ficaram esquisitas. Fazíamos festas e mais festas e nada nos satisfazia. A gente queria sempre mais. Mais pó, mais mulher, mais bebida.” Pepé respirou fundo enquanto checava sua bebida preferida – Gin com Tônica – trazida pela minha esposa. Continuou logo que ela tornou a sair da sala.
“O fato é que mesmo com todos aqueles exageros, principalmente do Buntum que dormia com uma garrafa decachacis (disse imitando o colega e sorrindo) na boca, era o Pipi quem mais se superava”.
“E como se superava, Pepé? O que ele fazia de tão diferente?”, perguntei. Estava faminto por aquela história. Não era todo dia que um ícone do humor nacional concorda em ficar sentado no sofá de promoção da sala da frente. Ele me pareceu um pouco saudosista dos dias de glória da trupe apesar da conversão para a igreja. Imagino que não deve ser fácil mesmo, abandonar tantos prazeres de uma hora pra outra.
“Ele andava metido com magia negra e essas coisas”, continuou. “Começou quando a amizade dele e da Puctha chegou até debaixo das cobertas. Ela que apresentou ele pra esse mundo do inimigo. Pipi começou a falar línguas estranhas quando estava bêbado (e ele chapado era algo muito comum na época). Batia nas namoradas. Ele chegou a ser internado duas vezes em clinicas de recuperação para dependentes”.
“De álcool e drogas?”, perguntei.
“De sexo. Ele perdeu o controle algumas vezes com as atrizes que faziam pontas nos nossos programas. Uma delas era Naquita da Puctha. Você deve conhecê-la. Freqüenta a igreja também. Ela se converteu quando escapou do suicídio.”
“Conheço sim”, eu disse. Não menciono aqui o nome da tal moça, pois acho irrelevante perto do que se desenrolou ao longo dos anos entre Os Bestalhões. Ele continuou:
“O Pipi no começo era o melhor de nós três... O mais moralista, o viciado em trabalho. Ele tinha muita coisa boa, mas depois de conhecer a loira e as patentes altas do Rio de Janeiro começou a mudar. Passou a querer ridicularizar figuras religiosas no programa, queria contratar garotas cada vez mais novas, queria inserir cenas de ocultismo e macumba no programa; essas coisas”.
“E a gota d’água foi?”. Eu estava me consumindo em curiosidade.
“Quando começamos a morrer”, lamentou Pape. “Controlamos ele enquanto éramos três contra um”, continuou. “Depois que levaram o Buntum, o Zaca e eu ficamos malucos. Desorientados com a morte do negão.”
“E o Pipi?”
“Ele ficou aliviado e continuou com os pedidos de episódios bizarros. Às vezes concordávamos, mas sempre mantínhamos uma certa... moralidade. Acho que é por conta disso que o programa era tão bom. Mas era essa inocência que irritava Pipi. Principalmente depois que ele começou a estudar as esquisitices de Aleister Crowley, Elifas Levi e um monte desses satanistas. O Raul foi amigão dele um bom tempo. O Raul e o Coelho. Segundo esses caras e o Pipi o caminho para saber todas as coisas da vida estava no excesso. Eu não era ambicioso a esse ponto, mas o Pipi sim. O Renato nunca dormiria com um ponto de interrogação na cabeça”.
“Seixas?”, perguntei. Pepé fez que sim e me pediu um cigarro. Dei um para ele e esperei que fumasse. Notei que suas mãos ainda tremiam. Nada me tirava cabeça que aquele homem estava morrendo de medo de soltar a língua.
“Lembra quando começaram a falar que todo mundo famoso tinha pacto com o demônio?”
“Lembro sim”, respondi. Na hora lembrei-me de pelo menos dez celebridades que de oitenta a noventa ganharam o selo de promovido por belzebu. Gente importante que parecia se aglomerar nos corredores do Prozac que de repente trabalhava para o inimigo. Assustador.
“Começaram a especular sobre o Renato também. Ele sossegou com a pressão da imprensa branca e pareceu ter esquecido daquele punhado de barbaridade que enfiaram na cabecinha pequena de cearense dele”.
“Mas...?”, perguntei dando outro empurrãozinho.
“Mas o Zaca morreu”, disse Pepé contendo uma lágrima que acabou por cair. “E o Renato voltou para suas fixações”.
“O que aconteceu naquele ultimo dia Pepé? O que foi forte o suficiente para destruiu uma amizade de mais de vinte anos? O Pipi?”.
“Não foi só isso, não foi só mais uma briguinha de ego”, disse ele.
“Vou te contar tudo, mas precisa prometer guardar em segredo essa nossa conversa”.
“Eu prometo. Desde que você continue no caminho da igreja”, eu pedi. Ele concordou e me contou tudo. Vermelho, irritado e envergonhado ao mesmo tempo.
“Naquele dia o Renato convenceu todo mundo a colocar na TV um episódio de cerimônia negra. Tinha tudo lá meu amigo... Galinha morta, gato sendo fervido em um tacho, o Renato com um chapéu pontudo fantasiado de Bruxo, garotas nuas cobertas com roupões abertos. Livros pentagramas, enfim... Se fosse ao ar falariam que era tudo cenográfico, mas eu sei que não; eu senti o cheiro”.
“Calma Pepé; respire um pouco”.
“Se parar eu não vou conseguir continuar”, disse.
“Aquilo foi horrível. Eu na hora disse que não participaria. Mandaram diretor falar comigo, acho que até o Seu Roberto desceu do pedestal pra me convencer, não só a participar daquela merda toda como a permanecer ao lado do Renato nos novos programas. Eu não me deixei enganar e mantive minha posição. Exigi que o Renato abandonasse aquela idéia. Uma das faxineiras que limpava o camarim onde eu estava me contou que ele estava dando seqüência na filmagem sem mim. Fiquei enlouquecido... Voltei para aquele Set e encarei o Renato de frente. Pensei que ele fosse rir e me ridicularizar com trejeitos gays como sempre fazia, mas não... Não era ele quem estava lá. Ele estava com os olhos brilhantes... Como se tivesse olhos de gato. Assustado eu me afastei dele e tropecei eu uma cama no cenário atrás de mim. Alguma coisa gemeu quando eu fiz isso”.
Eu estava congelado, ansioso pelo resto da história. E ele contou.
“Tinha uma garotinha ali, de uns doze anos. Bêbada. Exalando álcool. Só Deus sabe o que fariam com ela. Vi que o Renato não existia mais naquele último episódio. Pequei a garotinha e a levei para longe comigo. Depois descobri quem era ela e a devolvi para seus pais. Não participei de mais nada que ele fizesse parte desde então, principalmente do Menino-Esperança. Nunca me defendi das coisas que ele inventou a meu respeito, nem falei mais com o Renato. Acho que nem se eu quisesse conseguiria. O Renato não existe mais. Ele perdeu a alma para o Pipi.”

E esse foi o drama final da parceria daqueles gênios, a “clackete” final de “Bestalhões”. Estou mandando esse texto para você, pois como deve saber o Pepé está de novo nas garras do Pipi e da emissora – o que me libera do segredo. Ele sumiu da igreja e depois de tudo que me contou me forço a entender que a sedução pelo prazer deve ser algo dificílimo de se abster. No meu caso preferi trabalhar para Deus, como sabe.
Já ele...
Obs. Tome cuidado, troque algumas letras e fique com Deus. Esse pessoal ainda é perigoso demais.
FIM







AVISO DO AUTOR: Texto fictício, mais uma atrocidade conspiratória captada na pior parte das conversas de boteco. Não tem a intenção de ofender ninguém! Ninguém mesmo! 



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