Dor nas costas.



A pergunta que Nelson se fazia há dois anos era se teria que se submeter a um transplante de vértebras para conseguir dormir de novo por uma noite inteira. Desde que abandonara seu velho emprego no supermercado suas costas se recusavam a entrar no eixo e assumir os vinte quilos a mais que foram distribuídos por seu corpo desempregado. Jovem ou não os trinta e cinco anos mostravam a ele que estava tão fodido quanto uma bunda de prostituta brasileira. Ele já conhecia pelos avessos o histórico de câncer de sua família e na sua cabeça hipocondríaca visitar um médico comum seria somente antecipar sua agonia e iniciar a contagem regressiva para sua morte. Nelson se achava jovem demais para ter câncer... Não que não merecesse depois do que fez com sua ex-esposa arrancando-lhe dois tentes com uma pancada seca, mas o que poderia se fazer se pegasse esposa chupando o pau do vigia da rua as três da tarde? O que você faria hã? Nelson bateu nela com força e foi embora de casa. A casa dela, afinal.  
Dois anos depois, quase na mesma época que perdeu seu emprego no supermercado mais sujo da cidade – no quesito preço e qualidade de produtos – casou-se com Lucile. E ela era bonita; Deus como era bonita. Tinha cabelos louros compridos e grossos que chegavam a sua cintura, uma boca enorme que chamaria a atenção de qualquer sacana mais velho que dez anos e um bumbum digno de uma maratonista. Nelson não sabia o que a esposa havia visto nele, mas não queria mesmo dar importância a isso, ele só queria transar com ela e curar aquela maldita dor nas costas.
Nelson era um cara normal, de cabelos lisos e pretos, óculos fundos e um sorriso que o fazia parecer bobo. Não só bobo, mas idiota; daqueles tipos que enrolam as palavras quando falam com o chefe e nunca receberão uma promoção simplesmente por parecerem retardados mentais. A nova esposa trabalhava fora, ele também não se interessava muito por isso e pensava que seria bem melhor não saber demais das coisas. Todo cara que levou um chifre do tamanho do dele passa a ignorar os detalhes na esperança de nunca mais descobrir que alguém fez sua esposa sorrir mais alto que as novelas que ela gostava de assistir. Assombração só aparece pra quem tem medo afinal... Sabia apenas que era secretária de uma clinica médica cujo responsável era mais feminino que ela – que Deus salve o doutor Willian por isso – e todos os seus amigos gays...
Lá estava ele, novamente em frente à tela do computador procurando orações, mantras, drogas e massagens que aliviassem suas dores nas costas. Era incrível o tipo de coisa que se pode encontrar pela internet hoje em dia... Drogas de todos os tipos, teorias alarmistas, suposições infundadas e todo, mas absolutamente todo tipo de teoria maluca. A que prendia sua atenção no momento era de implantes alienígenas que causavam dores insuportáveis. Como todo bom hipocondríaco Nelson começou a tatear por suas costas a procura de um caroço qualquer que sinalizasse um implante. Quem sabe sua dor insuportável não fosse em vez do temido câncer, um implante alienígena? Ele bem que ansiava por isso.
- Amoôr? To em casa – disse a conhecida voz de Lucile. – Cadê você?
- Tô aqui – respondeu Nelson como se sua voz fosse um maldito GPS. – Por sorte a esposa já imaginava onde estaria a razão de seu viver há dois anos... Como sempre estaria em frente do computador mal ajeitado em uma cadeira que não servia para ele. Ouvindo os passos se aproximarem Nelson rapidamente fechou a página de conspiração alienígena que tomava sua atenção, mas não antes de adicioná-la aos favoritos. Ele tinha vergonha de compartilhar seus achismos e manias de doença com a esposa fulgurante e gostosa.
- Como foi no trabalho? – disse ele levantando sua bunda “XGG” da cadeira “M”.
- Bem – respondeu Lucile dando um beijinho no marido. E suas costas? Melhores?
Nelson não sabia o que responder. Detestava ser pego por ela naquela cadeira que levava a culpa pelas dores do mundo. Se doía sua cabeça era culpa de ficar todo o tempo com a cara enfiada na tela, se fossem os olhos era por estar muito próximo à mesma tela, se doesse as pernas era por estar encurvado na pequena cadeira e se doesse as costas? Claro que seria coisa da maldita cadeira. Ele bem que queria comprar outra cadeira, mas desempregado como estava naquela cidade onde a única vaga permanente era a de dar banhos em defuntos – e Deus sabia que ele já tinha pensado nisso – precisava se preocupar com as contas da casa. Além de poupar algum dinheiro para viajar no final do ano para a casa de seus pais; ou isso ou teria sua mãe morta de desgosto.
- Estão doendo, acho que preciso de uma massagem – disse ele.
- Depois eu faço, mas vai ter que me pagar com juros – respondeu a esposa com uma cara de sem vergonha que explicaria fácil porque arriscar ter um segundo casamento quando o primeiro foi uma porcaria. Nelson percebeu alguma animação embaixo de sua cueca, mas estava curioso demais pelo assunto recém-adicionado e seus favoritos e o banho da esposa depois de chegar a casa era a chance perfeita.
- Pago sim, vá tomar seu banho, vai – disse Nelson.
- Quer me ajudar? – perguntou à loira. Bem que ele gostaria, mas tentar dar uma trepada dentro de um box apertado e úmido com as costas estouradas como a dele seria algo seriamente arriscado. Ou cairia de costas no chão com uma vértebra partida ou broxaria pela primeira vez com ela...
- Depois amor, depois. – respondeu Nelson.
Assim que Lucile virou de costas novamente ele se jogou sobre a cadeira culpada pelas moléstias do universo em seu corpo. O lado direito das costas, logo acima do quadril parecia ter não uma sonda alienígena, mas toda uma micro-tropa estelar em guerra com seus ossos. A dor lacerante queimava sua pele por dentro. Como se um cabo aço de arame farpado repuxasse toda a musculatura a partir de sua cocha. Não havia nada a fazer a não ser esperar pelas mãos milagrosas de Lucile.
Nelson esperou o barulho da água e assim que começou clicou na barra de favoritos abrindo a pagina. A aparência interestelar não deixava dúvidas sobre o conteúdo da pagina, mas a parte que lhe interessava ficava em um link escondido, quase disfarçado como se escondesse o mundo de pornografias que a qualquer descuido pularia na frente da tela. Ele aproveitou bem dessa fonte de xoxotas virtuais enquanto estava se recuperando do divorcio, mas deletou e bloqueou todas as suas putinhas virtuais quando começou a transar com Lucile. Se era pra se acabar na mão que pelo menos estivesse solteiro, pensava ele. Se bem que pensando em algumas das esposas de seus amigos não estranharia se preferissem o mouse a um par de peitos despinguelados.
- Aqui está você – disse baixinho enquanto clicava no link – instrumentação e implantes. A página era interessante apesar do conteúdo carregado de ficção. As poucas fotos que existiam com “invasores astronautas” propriamente ditos eram do famoso espião “Falcon” que supostamente vazou com as polaroides de instalações militares russas. Lucile não gostava nada desses assuntos, Nelson achava que era medo. Coisa de mulher. Se ela soubesse da intensidade de sua dor nas costas teria a mesma coragem dele de bisbilhotar uma cura, ou mesmo um diagnóstico que não fosse a sentença de morte – câncer.
As fotos mostravam vários objetos retirados de dentro das estranhas de seres humanos. A maioria servia para supostamente rastrear, mas existiam outros que forneciam controle mental, até mesmo bombas biológicas haviam sido encontradas dentro de um mexicano.
Juan Lopes – a vitima – dizia na entrevista que podia ser coisa do governo, mas depois que submeteu a analise, a coisa gelatinosa e de aparência metálica que saiu de dentro de sua musculatura da cocha esquerda, tendo o resultado de “material não identificado” deixou essa hipótese pra lá. O mais provável teria sido geração do material por seu corpo apesar de não ter carbono, sangue ou nada conhecido a não ser a velha e boa nitroglicerina alojada em uma bolsinha lateral.
Outra interessante parte descrita era a de como eles colocam isso em seres humanos. Estava escrito em vermelho com um pequeno bisturi que rasgava o novo link convidando ao acesso. Eram muitos depoimentos; muitos mesmo. Mais de cem naquela página e alguns colocavam até seus telefones e endereços.
- Amoôr, vamos dar um jeito nessa coluna? – chamou a esposa que havia terminado seu banho. Os cheiros de xampu e perfume que invadiram a casa toda indicaram mais uma vez a ele que casar-se novamente fora uma atitude acertada apesar dos conselhos de seus amigos.
- Já vou amor – respondeu Nelson que estava hipnotizado pelo novo site.
- Amnésia – falou sozinho. – Eu tive isso – relembrou baixinho ao ler novas declarações.
O episodio aconteceu duas ou três semanas antes de encontrar-se com sua nova esposa no consultório medico onde ela trabalha. Doutor Willian era um bom psicólogo apesar de não ter resolvido muito no caso dele. Um dia inteiro de sua vida simplesmente desaparecera. Mesmo com a ineficiência médica assim que cravou seus olhos amplificados por duas lentes grossas nos olhos da ajudante loira se apaixonou. E ela por ele. Casaram rápido demais para que ele se preocupasse de novo com seu dia perdido. Acabou achando coisa do destino que resolvera liga-lo a bela loira que se enxugava em seu quarto. Mais uma que deu abrigo a ele...
Nelson começou a se apalpar como fizera várias vezes antes à procura de caroços cancerosos, mas dessa vez procurava por algo diferente; longitudinal como uma ponta de chave de fenda. Algo profundo que pudesse estar disparando sinais transmissores usando os minerais de seus ossos como fonte de energia ou até mesmo antena. O site contava ainda sobre um homem de mais idade, o americano Mr. Sanders que teve uma lente alienígena implantada em seus olhos, o que lhe causava dores de cabeça de fazer desmaiar. Em um consulta de rotina seu oculista identificou e acabou marcando uma cirurgia para remover o objeto. Infelizmente para Mr. Sanders a visão se foi junto com o aparato nano tecnológico. Parecia uma água viva. Minúscula. Precisa. Letal.
- O que você esta fazendo aí hein? – perguntou a esposa que se recusava a abreviar um só tempo verbal. Era bonito ouvir Lucile conversar com seu correto português. Algo que até professores têm alguma dificuldade. Nelson estava com as mãos sob sua camisa, procurando... – Para com isso neném ou vai piorar sua dor. Deixa que eu te ajeito, deixa? – disse a esposa se aproximando. Ela vestia uma camisola curtinha que curaria um lutador de vale-tudo em um segundo.
O marido levantou rapidinho e a acompanhou até o quarto para sua sessão de massagem.
- Deita aí neném, vou dar um jeito nisso – disse Lucile.
Assim que suas mãos ainda um pouco lubrificadas pelo creme hidratante que ela passara tocaram suas costas o alivio começou. A cada passada mais forte de suas hábeis mãos nos pontos doloridos a dor diminuía até tornar-se apenas uma lembrança ruim.
- Você não sente nada de estranho? – perguntou Nelson.
- Como o que? – disse a esposa continuando com a massagem. – Ainda com a mania de procurar caroços?
- Não é isso não – disse Nelson.
- Olha, vou falar uma coisa para você: não é por que sua mãe teve esse problema e mais duas tias distantes...
- Três – interrompeu ele.
- Que seja; não é porque três tias distantes e sua mãe tiveram esse problema que você também terá. E tem mais; sua mãe está bem e nem parece que teve nada. Se você quer saber ela está bem melhor agora do que estava antes. 
- Você tem razão como sempre – disse Nelson.
- Não vá dormir tá bem? – disse Lucile continuando com sua massagem e querendo bem mais que gemidos de alivio do marido. Mais alguns apertões depois e a única coisa encaroçada que ela encontrava estava escondido pelo short ridiculamente curto do marido. Se Nelson levasse outro chifre por conta de suas roupas seria mais que merecido, mas ela não faria isso com ele. Nunca.
Lucile terminou a massagem e deu um bônus que o impediria de lembrar-se das costas até amanhã seguinte. Ela conhecia bem o marido e sabia até onde iam essas encanações promovidas pela internet. Mas ela pensava ser mais uma encanação por conta de caroços cancerosos e cirurgias nas costas, nada de alienígenas e implantes passavam pela cabeça loira de Lucile. Os dois dormiram como ursos.
O maridão acordou por volta das nove com a campainha se esgoelando na cozinha. Pensou que a dor o havia abandonado, mas quando botou os pés chatos no chão foi como se tivesse ativado novamente um micro aparelho de tortura. A dor estava fortíssima naquela manhã. Nelson caminhou com dificuldade até a porta da frente.
- Já vai pô! São nove horas ainda! – reclamou alto para que a inoportuna visita pudesse ouvi-lo e dar meia-volta. Olhou pelo olho mágico embaçado e deu de cara com alguém que fazia a mesma coisa que ele tentado enfiar o olho na abertura de vigilância.
- Acordando tarde pra variar né doutor? – disse Leandro já entrando cheirando a cigarros logo cedo. Cigarros verdes.
- Entra Leandrão – disse Nelson como se conseguisse mandar alguma coisa quando se tratava de Leandro. Seu amigo era alto e moreno jambo com olhos tristonhos. Tinha uma bunda grande que o deixava engraçado demais quando alguém o fazia correr – o que era muito difícil... Os cabelos ralos e pretos eram a única coisa que lhe passava alguma seriedade. Leandro era o rei dos enganadores e como Nelson achava que tinha todas as doenças do mundo.
Os dois se conheceram no tempo do mercado e Leandro (não fosse pela hipocondria) seria em tudo diferente dele. Nelson era sério e preocupado e Leandrão quando tentava pensar acendia logo um baseado para que vontade o deixasse. Era solteiro convicto e tinha uma gorda mesada do pai apesar de ninguém no mundo a não ser Nelson saber disso. Leandro já foi direto para o computador como se fosse dono da casa.
- Tá sozinho prego? Cadê a onça?
- Trabalhando – respondeu Nelson dando uma bocejada.
- Cara, lembra daquelas dores de cabeça que você tinha? – perguntou Nelson.
- Lembro sim – resmungou Leandro olhando o assunto que menos interessava no mundo para Nelson, futebol. – Ainda dói às vezes. Eu fui ao médico semana passada e ele falou que não deve ser nada. Eu ainda acho que é aneurisma.
- Acho que pode ser outra coisa – disse Nelson e como esperava imediatamente Leandro tirou os olhos da tela voltando-se para ele. Só para judiar um pouquinho da visita Nelson deixou-o plantado olhando para a porta e foi até a cozinha apanhar uma cadeira. Ainda estava com seu shortinho sem vergonha e apertado. Ridículo...
- Fala logo prego! O que você sabe? – perguntou Leandro inquisitoriamente; nervoso por ter sido deixado no vácuo...
- Clica aí nos favoritos – disse Nelson que voltava com um banquinho nas mãos. – Chega pra lá pra eu senta aí.
- Com essa bermudinha? – zoou Leandro.
- Vai te catar Leandrão, pelo menos eu casei né? – insinuou Nelson a viadice do colega.
- E não tem veado casado não é? – provocou de novo a visita como se estivessem no primeiro colegial ansiando pela primeira apertada em alguns peitinhos.
Homens de verdade eram assim e em nada parecidos com os das novelas das oito. Quando estavam juntos regrediam rapidamente a melhor idade de suas vidas que geralmente ficava entre seus quinze e dezoito anos. Talvez por isso as mulheres detestassem tanto os amigos dos maridos. Pelo menos os amigos de verdade e não aqueles que acabam incluídos no rol de conhecidos por serem casados com outras amigas.
- Clica logo aí vai – disse Nelson colocando o dedo na tela.
Leandrão clicou e rapidamente seus olhos devoraram a tela da mesma maneira que fizeram os do amigo na noite passada.
- Muito louco isso hã? – disse Leandro. – Olha aqui cara, tem uma sessão só desses implantes continuou cutucando as têmporas a procura de alguma irregularidade.
- Não vai achar nada assim cara – disse Nelson. – Eles falam no site que os implantes da cabeça são os mais difíceis de encontrar.
- E como a gente descobre? Só no médico? – perguntou Leandro já bem mais sério com a visitação do site.
- Clica aqui em baixo, onde tem o bisturi – apontou Nelson.
- Olha só... Os caras pensaram em tudo prego! Tem uma área só pra reconhecer os aparelhinhos.
Leandro ficou quieto por alguns segundo, tempo suficiente para que Nelson pudesse ir até o banheiro e acordar direito, jogar uma água no rosto e escovar seus dentes. Nelson achava que Leandro era um daqueles casos clássicos de crianças que foram criadas pela televisão. Para ter o cara quieto bastava ligar alguma coisa que tivesse uma tela. Se tivesse algum joguinho então? Passaria o dia todo até zerar o game.
- A aí? O que tá achando?
- Cara, isso é esquisito, eles falam aqui que o pessoal tem amnésia, sabia que eu já tive isso?
- Claro que sim e você já teve gonorréia, chato, apendicite, gripe mortal, foi infectado por Antraz, só não sei como não morreu ainda – zoou Nelson.
- É sério prego, tive uma amnésia ferrada uma vez, devia ter uns oito ou nove anos. Acabei acordando em outra cidade, na casa do meu primo – disse Leandro com uma expressão que dizia não estar realmente brincando com aquilo. Olhos miúdos e tensos e roendo a unha do dedinho. Ele só fazia aquilo se estivesse puto com alguma coisa, ou muito preocupado.
- E como eles colocam essas coisas na gente? Tipo... Como a gente não acorda? – perguntou Leandro.
- Você acorda quando um pernilongo te pica? – disse Nelson.
- Acho que não – respondeu Leandro.
- É assim cara, eles têm um tipo de anestésico forte e você nem percebe. O máximo que vai sentir é uma coceira depois – explicou Leandro o que lera no site.
- E como é que eles entram em sua casa? Sem ninguém ver? – perguntou de novo Leandro que estava convencido que tinha um implante na cabeça. Mais convencido que Nelson que acreditava ter um nas costas.
- Eles têm máquinas cara... Robozinhos que funcionam com anti-gravidade. E tem mais... Se alguém acordar eles apagam a memória como fazem com os caras abduzidos.
- Tipo aqueles do filme “Fire in The Sky”?
- Isso, tipo esses – respondeu Nelson. Então ficaram os dois encarando a tela escura do site com pontinhos estelares como se lessem uma nova bíblia.
Depois de alguns minutos de absorção de cultura ufológica começaram a conversar de novo.
- Cara você leu aqui o que eles dizem sobre zoneamento? – disse Leandro com a cara ainda enterrada no monitor LG.
- Acho que não – respondeu Nelson um pouco disperso brincando com um gerador de raios tesla em forma de caveira que tinha em seu quarto. Ele adorava aquela caveira de vidro.
- Diz aqui que eles pegam gente do mesmo bairro e passam a monitorar as atividades para facilitar a captura de cobaias. A gente mora perto tá ligado?
- Cara, eu acho até que ia ficar feliz se essa porra de dor nas costas fosse um implante.
- Deixa eu ver isso aí – pediu Leandro.
- Tá maluco cara? Eu não vou virar a bunda pra você de jeito nenhum – respondeu Nelson que confiava mais em uma doninha faminta que no amigo.
- Cara, na moral? Eu to tentando te ajudar antes que algum médico decida rasgar suas costas à toa – disse Leandro. Nelson pensou um pouco. Pelo menos de soubesse que era um implante podia encontrar o médico certo, o site dava uma lista de médicos americanos que arrancavam as coisas de graça. Para um duro feito ele só de graça mesmo e olhe lá... Teria que convencer Lucile a pagara a passagem até os Estados Unidos; ou pelo menos até o México onde os caras deviam usar tequila pra esterilizar os bisturis.
- Sem viadagem? – perguntou Nelson.
- Claro cara... Deita aí vai, deixa eu ver essa porra.
- Não aperta cara! – pediu Nelson mesmo antes de tirar a camisa.
- Não vou apertar, só quero ver se tem alguma coisa aí.
Nelson deitou-se com sua bunda XGG sobre a cama do quaro onde ficava o computador e outras bobagens – como as revistas de moda de Lucile que só mostravam gente sorrindo como se o mundo fosse um parque de idiotas. Sentiu-se uma virgem sendo analisada em uma verificação de hímen.
- Cara se contar isso pra alguém eu juro por Deus que nunca mais falo com você e ainda entrego pra sua mulher que você fuma esses cigarrinhos do capeta – ameaçou Nelson.
- Se eu contar pra alguém que vou colocar as mãos em suas costas não vou ter nem mais mulher, nem amigos... Agora cala a boca e se doer me fala.
- Ai! – gritou Nelson.
- Que foi cara? – disse Leandro espalmando suas mãos. – Eu nem toquei direito em você!
- Sua mão tá gelada cara.
- Nelson; às vezes você é uma mulherzinha cara – lamentou-se Leandro enquanto esfregava uma mão na outra na tentativa de aquecê-las. – Lá vou eu disse quando achou que estavam mais quentes.
- Vai logo cara, não quero que ninguém veja isso – disse Nelson enquanto Leandro começava a analise.
- Humm, estranho – disse Leandro com ar misterioso.
- O que tem aí cara? – disse Nelson sentindo Leandro cutucar com seus dedos a área dolorida do quadril. Nelson se esticava tentando enxergar a área examinada mesmo de costas. Tudo que conseguia era aumentar mais ainda a sua dor.
- Muito estranho – disse Leandro. – Dói muito cara?
- O que tem aí Leandrão? Achou alguma coisa?
- Não dei, é meio alongado... Parece uma gota – disse pressionando mais fundo. Apesar da Dor Nelson se esforçava para agüentar. – Isso, tem forma de gota.
- Tem algum desses no site? – perguntou Nelson começando a se apavorar.
- Cara, o mais perto disso é um negócio que parece um caramujo, mas o seu é bem maior. Isso deve doer pra cacete né?
- Dói cara, dói mesmo – respondeu Nelson.
- Vou tentar movimentar ele; se doer muito você manda parar beleza?
- Tá feito, mas não vai me deixar paralítico – pediu Nelson com seu peculiar exagero.
- Se essa coisa não te aleijou, não sou eu e minha mão que vamos conseguir – disse o amigo pressionando com alguma força a base do suposto objeto.
- Será que não é um tumor? – especulou Nelson.
- Pode ser cara, mas tumores não ficam soltos na pele. Te contei que meu tio de São José dos Campos teve um tumor no ombro? – perguntou Leandro.
- Contou nada... E como ele era?
- Parecia uma bola de ping-pong enraizada embaixo da pele. Ele me mostrou quando tirou a pelota – respondeu Leandro que achava que conseguiria deslocar o suposto implante.
- E como era? – Nelson queria saber afinal imagina algo parecido enfiado perto de seu quadril, exceto que o tumor dele deveria ser do tamanho de uma laranja... e com pontas. Deveria ser a porra de um ouriço, isso sim.
- Ai ai ai! Cara para um pouco que agora doeu muito – gemeu Nelson instintivamente levando a mão mesmo de costas até o local. – E ai? Mexeu pelo menos?
- Foi um poço pra esquerda... E a dor?
Nelson tentou se movimentar, ou melhor, movimentar suas costas. Para Leandro ele parecia uma baleia encalhada na praia tentando jogar o corpo imenso sobre a areia. Depois de duas ou três meia-roladas sobre a cama respondeu:
- Tá melhor cara, dói bem pouquinho, mas pode mandar bala! Aperta pra valer essa porcaria.
- Vou ficar em pé pra por mais força – disse Leandro que pela cara de decisão iria mesmo apertar com força. Ele estalou os dedos um por um para ter mais energia ainda.
- Me dá aquela meia – pediu o homem deitado.
Leandro pegou uma que estava no chão. Com nojo já que estava usava e com a sola mais escura que o chão de madeira.
- Não essa gênio... Aquela outra que tá limpa – disse Nelson apontando outro par enroladinho no pé da cama. Leandro pegou e entregou a ele que a enfiou na boca. Leandro riu.
- Tá rindo do que sem noção? – perguntou Nelson retirando a meia da boca e já imaginando o teor da piada que viria a seguir.

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