A melhor noite de Leonard



— Para sempre, amor — ela diz sem saber o que poderia dar errado.
— Te amo, Peggy Sue — diz Leonard antes de colocar em seu dedo fino a aliança que custou duas férias de verão e mais uns tostões. Ele sorri e a beija sentindo seu hálito quente que transporta milhões de pores do sol e noites enluaradas recheadas de vaga-lumes a tilintar como cometas num céu de inverno.
E ela sorri após beijá-lo sentindo algum gosto a lhe fornicar a língua. Acha bom, tão sutil e desejoso como quando concordou em deitar-se sob ele. A noite cai derrubando suas asas cálidas sobre eles prometendo um mar de projetos gloriosos. Peggy sorri tímida descendo as mãos onde não deveria. Mas por que não, afinal? Por que não se entregar ao garoto mais romântico do colégio? Ao único garoto a ter sensibilidade maior que a dela. Ele era tão! Deus ele era tão, tão perfeito que teria feito Hércules desistir no segundo trabalho e tornar-se gay.
Leonard está distraído naquela noite, “mas por que justo naquela noite?’, pensa Peggy. O rádio do Studebaker recita algo do “The Young Rascals”, Grooving talvez? E ela sorri molhada em todas as suas indecências, sem culpa ou dor, mas molhada a lembrar de seu sangue quente e puro vertido em um lençol alvo embaixo daquela mesma árvore. A árvore de Peggy e Leonard. A figueira cicatrizada com corações adolescentes. De Brian e Stephanie e de Louis e Catarine. A velha árvore adubada com amor juvenil. E o seu amado é ainda mais amado que todos os nomes a florescer novos frutos na velha árvore. E seus olhos brilham quando a toma e joga ao solo pela segunda vez. Ela sente todo o vigor da lança que a condenou a ser uma mulher e treme de prazer; lânguida. “Sim meu amor, me tome novamente antes de nosso casamento”, pedem seus seios duros e juvenis. E aquele brilho no olhar de Leonard quase, tão, um pouco, totalmente... Insano.
Uma coruja repentinamente pia trazendo todo o agouro do mundo para debaixo da velha figueira e Peggy vê algo suplantar o brilho dos olhos de Leonard. O que seria? Um brilhante? Um novo vestido com a cor das lágrimas da lua? O rádio toca Diana Ross & The Supremes, Stop In The Name Of Love é a canção. Peggy pensa em beijá-lo com fúria, com mais amor que tem no peito a oferecer quando reconhece uma lâmina. É um punhal o que ele tem nas mãos e ele pretende mesmo arrancar seu coração. Peggy se debate em busca da liberdade e ele lhe pede calma. Ela desiste e o ouve ainda cheia de amor, lágrimas invadem sua garganta.
— Por que, Peggy Sue? Por quê?
— O que eu fiz, amor meu? Por que me ameaça? — pergunta num beijinho.
— Porque eu odeio vagabundas! Odeio vagabundas, como minha mãe que goza queimando o filho com cigarros baratos.
— Mas eu não sou assim! Eu te amo Leonard!
— Venha comigo, Peggy Sue. Venha até a caverna do urso e dome a besta que dorme em mim.
— Faça, Leonard, apenas faça! Vou provar meu amor.
E ele faz, mergulha o aço em Peggy Sue como se fosse seu caralho sujo e repleto de verrugas e a faz gemer como a pior meretriz do inferno. Porque nada é bonito na vida desgraçada de Leonard, a violência do pai, as fodidas adolescentes com a mãe ou mesmo sua masturbação compulsiva que o faz comer do próprio sêmen em noites desgraçadas como aquela. Leonard faz uma oração e se banha com o sangue quase puro de Peggy Sue. Ele se sente um porco machista longe de qualquer arrependimento.
— Por que, Peggy? Por que não esperou até nosso casamento? Por que teve que ser uma vagabunda pior que minha mãe?
Então ele apanha o punhal afiado que reflete a lua em seus olhos e se corta, de fora a fora como um porco escolhido rompendo as veias e artérias do pescoço. Antes da morte beija suavemente entre tosses e cuspes bolhosos de sangue sua amada.
— Faltava tão pouco, Peggy, tão pouco.
O rádio do Studebaker canta Andy Kim que diz: “Baby I Love You” até o amanhecer. 
Inexplicavelmente.



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